Tuesday, February 01, 2005

Eterna tensão

"Uma tensão se instala entre o movimento de tomada de consistência de uma nova pele e a permanência da pele existente, necessária até que o processo de criação se complete." (*)

Eu sou uma criação incompleta. Não há como evitar a eterna tensão.


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falo agora dessa pele entre as tantas que me faltam arrancar, essa pele que incomoda, que parece que não me serve mais, que arde, que é impaciente e não sabe mais o que fazer até que finalmente possa se romper e eu nascer de verdade sob ela, deixando esse gosto para trás; essa pele que levou porrada demais, que levou porrada e gostou e disse "bate com força agora"; essa pele que se arrepiou no sol ainda sem saber direito se preferia o dia ou a noite, mas foi até o fim por tudo que viu de bom e ruim; essa pele que já nascia enjeitada e antes que o doutor realizasse o aborto a mãe disse "vamos ver o que podemos tentar fazer por esta situação"; até que a situação cresceu e cresceu e percebemos que aquilo não era pele, era câncer; esse câncer de pele que se entranhou nos órgãos mais viscerais e acabou fazendo parte deles dói quando arrancado do seio; por isso ele não pode sair antes da pele nova; a pele vai cedendo, o câncer vai saindo, mas onde está a pele nova?? Eu tenho muita certeza de que é uma pele de pêssego com um cheiro delicioso de mulher amorosa pela manhã.

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Sueli continua dizendo que
"O paradoxo entre esses dois vetores, a força de invenção que ele mobiliza e a tensão que disto decorre são portanto próprios da vida em sua potência de variação: eles são constitutivos do processo vital de individuação, que vai organizando e estabilizando novos contornos, enquanto desestabiliza e desfaz outros."

E minha leitura vai ficando cada vez mais subjetiva e pessoal e identificada - às vezes é inevitável, por isso não acredito em psicólogo que nunca tenha feito terapia. Ou seja, que nunca tenha vivido essa tensão, que nunca tenha mergulhado para estudar seu próprio processo de individuação...

Depois ela continua, falando das soluções e do processo capitalista de invenção para toda essa tensão, e aí vem a parte que eu adoro e quase me torno uma marxista, quase, quase, porque nunca li Marx e também não consigo mais ler nada *agora* porque estou aqui *agora* absorta na questão da pele que muda. E mergulho em reflexão sobre toda a compreensão necessária para continuarmos nos aceitando e nos amarmos mesmo enquanto estamos tentando largar uma pele que não é mais nossa... o tempo necessário para compreender o próprio tempo, que é o tempo de nascer uma pele nova... os deuses da destruição ficam sussurrando coisas em meu ouvido e hoje eu sei que a destruição, por mais necessária que seja, também tem seu tempo, porque dá muito trabalho renascer das cinzas. Tem que saber o tempo, tem que entender o tempo e é isso que me acalma durante essa longa jornada que é o processo de me perdoar.


(*) frase que me saltou de um artigo da Sueli Rolnik, "A vida na berlinda", artigo este nascido de uma conferência dela aí (não sei se tem em livro, achei na internet).

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